domingo, 19 de abril de 2009

Gúri Cheio de Lua

Era uma vez um garoto que costumava observar a lua e passava longas horas olhando para o céu e a cada instante que ele permanecia na janela da sua humilde casa, era como se os seus olhos saltassem de tanta alegria. Era fascinante observá-lo, porque ele fazia com que ela lhe pertencesse e a distância entre ambos inexistia.
O seu entusiasmo era tal que depois de uns largos minutos chamava sempre os outros garotos da rua, para que eles pudessem sentir tudo, igualzinho ao que ele sentia, ou seja, “a lua na ponta dos olhos”. A lua era fuga e recolhimento nele, mas para os outros ela era apenas uma bola grande no céu, por isso, ouvia-se sempre de um deles:
- Tá doido Gúri?!? Tu vê coisas onde não há nada, a única coisa que vemos é o céu escuro e uma lua grande e redonda.
Gúri era o nome pelo qual atendia, desde de muito novinho que o chamavam assim, que não só ele, mas todos, já não lembravam o seu nome de batismo. Não poderia haver apelido mais certo que este, porque ele era um autêntico guri, um garoto curioso e com a capacidade de transformar e transportar o mundo real para o seu mundo infantil. Ele era um garoto criativo e a sensibilidade evaporava através dos seus poros e dos seus olhos cheios de fogo e pureza.
Ele não se importava se os outros não conseguiam absorver a beleza que se escondia na lua, porque o que contava era a sua vontade de tocar ou ver de bem próximo a lua e se deixar envolver na paisagem que invadia os seus olhos infantis.
Todos os outros diziam: Gúri, vamos brincar de outra coisa, não tem graca ficar aqui olhando esse céu escuro, já estamos com o pescoco duro de tanto que olhamos para o nada!
- Nada??? Exclamou Gúri. Vocês chamam de “nada” a essa paisagem que agora vejo e sinto?
Eu posso ver árvores cumpridas, finas e com folhas bem verdinhas, casas como se fossem de brinquedo, iguais as que as meninas brincam, animais peludos tão brancos como se fossem as nuvens do céu, pessoas de todas as idades, cores e tamanhos, e esta paisagem é coberta por algo que vem de cima, essa coisa é branca, são pingos brancos que caem como se fosse chuva, mas é estranho porque a chuva aqui não é branca como a que vejo na lua.
- Como quero fazer parte disso! Mas como será podemos chamar as pessoas que vivem na lua?
Respondeu um dos seus amigos: - Lunaldo, Lunossauro, Luarado. Ah Gúri, tu fazes perguntas e fala coisas que não entendemos. O melhor é procurar alguém que possa ver tudo o que tu dizes ver e assim vocês poderão falar toda a noite porque nós não vemos nada do que tu dizes e por isso não sabemos nadinha de nada sobre a lua, mas, penso que tu és um Lunaldo, ou melhor, um Gúri cheio de lua quando ela está assim, gorda e amarelada.
- Quando a lua está assim como dizes, gorda e amarelada, é lua cheia, então eu gosto do meu novo nome: GÚRI CHEIO DE LUA.
- Como é bom ser Gúri, mas o Gúri cheio de lua...cheio de lua...Como é bom ouvir: Gúri cheio de Lua...
Ele era tão cheio dela que sempre que ela era redonda, grande e amarelada, ele passava horas observando-a e crescia mais e mais a vontade de fazer parte daquele mundo.
Numa daquelas noites, ele pediu tanto para sentir a lua nas mãos que, de repente, uma bola transparente caiu em meio a ele e os seus amigos. A reacão dele não podia ser outra, senão a de sorrir esplendidamente e gritar para todos: - É a lua!!!!!!!! Vejam, eu tenho a lua nas mãos!
Ele parou alguns segundos e imóvel olhava para aquela bola sem piscar os olhos, e com entusiasmo ele sussurrava: - Como é pequena a lua; é linda e cabe nas minhas mãos. Agora vejo de pertinho as árvores, as pessoas, as casas e os animais, iguaizinhos ao que eu disse a vocês.
Todos os outros garotos olhavam para o Gúri sem saber o que realmente acontecia, alguns sentiam medo, outros chegavam a pensar que ele estava ficando doido ou que brincava com a cara deles. Tudo era tão surreal que nenhum teve a coragem de interromper aquele momento e gentilmente acompanhavam o Gúri naquele extraordinário encontro com a lua.
Ele não conseguia parar de admirar aquela sua lua e num certo momento ela se abriu em suas mãos e ele não desejava senão entrar naquela bola, por mais que soubesse que não caberia ali de tão pequena que era a lua, mesmo assim, ele tentou primeiramente com a sua mão direita e assim que tocou no interior daquela bola sentiu que tudo era pano, que toda aquela paisagem era de pano e exclamou:
- Na lua tudo é de pano.
Tocou várias vezes nela e sabiamente exclamou:
- A lua deixa de ser lua quando não está no seu devido lugar. Vejam, ela é tão pequena que mais parece uma bola de árvore de natal.
Um dos garotos com autoridade disse: - Você não vê Gúri que é uma bola de árvore de natal e não é a lua, quando vai parar com esses delírios de moleque?!?
Sem falar nada e sem deixar de olhar para ela, Gúri resolveu arremessá-la, com toda a forca que cabia naquele seu corpo magro e pequeno. Ele se despediu da sua lua e ela se foi, por instantes desapareceu na escuridão do céu estrelado e quando tornada ao seu lugar, ele a viu ainda mais amarela, mais viva e mais cheia e desde dali ele não cansou de dizer que era um Gúri cheio de lua.
Gúri era um garoto tão intenso nas emocões que admirar a lua era a sua maior diversão e sentia orgulho em dizer para todos que era amigo da lua e que não havia segredos entre ambos. Ele era pobre, mas dizia ser a pessoa mais feliz do mundo porque ele pôde sentir a lua como nenhum outro.
Assim era Gúri, sonhador, criativo, inocente, curioso, sensível, carismático, um garoto inteligente e pronto a descobrir mundos distantes de todos, ele enxergava tudo com o olhar diferente de todas as outras pessoas, conseguia ver belezas que se escondiam na brutalidade da pobreza. Gúri era um apaixonado e o seu amor maior foi sempre a lua, apaixonava-se sempre e sempre mais quando os seus olhos se perdiam nela.
Um dia Gúri cresceu e todos os seus comportamentos foram mudando, o seu corpo, tudo nele mudou e se tornou um belo homem, um inteligente e sensível homem. Todos os seus amigos da infância sumiram, cada um buscou o seu caminho e com ele não podia ser diferente, também correu atrás dos seus sonhos e de forma brilhante ultrapassou todas as barreiras e preconceitos para conseguir aquilo que mais desejava:
Se tornar astronauta...
Gúri se tornou um astronauta reconhecido em todo o mundo pelos seus feitos e pela paixão que deixava sobressair em seus olhos sempre que falava dela – do seu grande amor, a lua.
Agora ele podia encontrar a lua quando desejava e pode-se dizer que ele estava mais tempo com ela do que qualquer outra pessoa.
Aquele moleque pobre se tornou um homem rico e concretizou projetos destinados às criancas humildes que sonham como ele, e parece até que a coisa mais normal do mundo é ir a lua, pois o seu projeto deu tão certo que é comum ouvir entre as criancas que já foram ou irão à lua.
Sim, Guri acreditou sempre e fez com que todos os seus mais íntimos sonhos se tornassem reais e ele é um ser humano tão nobre que compartilha o seu maior feito com todos os que se comprometem com os seus ideais.
A sua história não podia ser diferente e a vida naturalmente foi se comprometendo com os seus sonhos e assim continuamos acreditando na potência dos nossos sonhos. Gúri é hoje um exemplo de que se pode e deve continuar sonhando sempre, não importando quão audaciosos sejam esses sonhos pois, a vida perde totalmente o sentido quando desacreditamos neles.

Danielle Soares
Glimmen, 19 de abril de 2009 * Dedico ao meu irmão Deivy (Pessoa que amo desmedidamente) que no último dia 16 completou mais um ano