terça-feira, 22 de julho de 2008



I
A noite está calma
Ouço o barulho do mar
Meus pensamentos mergulham
Naquilo que os meus olhos
Não conseguem captar.
Deixo a noite falar...
- Vem! Diz ela.
- Para onde? Respondo.
- Para a noite que te quer fazer mulher!
Disse-me ela.

II
Maliciosa noite mulher,
Gasta os meus desejos
Acende o meu corpo
Me deixa naufragar nos teus segredos.
Me faz profana e consagra
Minha alma fria e calorosa.
Joga o teu véu escuro
E me guarda na tua maldade bondosa.
Me faz mulher
Me deixa morrer
Com o suco dos teus frutos
Que guardam o gosto do pecado puritano.

Porto, 21 de julho de 2008

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Reconhecimento

O quê poderá acontecer?
Desafio essas letras...
Grito com o que me preenche por dentro.
Guardo meus desejos e meus desassossegos.
Te procuro, onde estás?

Papéis sobrepostos
Livros em desordem
Cds espalhados
Uma taça de vinho diante dos meus olhos...

Fotografias pregadas pelas paredes
Rostos felizes
Parada do tempo
Registros de momentos
Hoje, momentos vazios
Congelados naquelas feições ilusórias.

Passa o tempo
O nosso tempo já foi
Estamos ausentes
De histórias.
Envelhecemos as nossas idéias
Nos escondemos no silêncio.
Escravizados pelo tempo
Vivemos...

Vasculho as gavetas
Cartas jurando amor eterno
Anoitece

Mudo de direção
Guardo o passado
Aguardo o futuro
E piso o presente com os pés descalços
Sinto o solo quente, que machuca os meus pés já calejados.
Recolho a folha que cai

Solitária folha
Folha já morta
Que traz vida aos meus olhos

Vou seguindo
Na noite que chega calorosa
Sinto o ar de tudo tocando o meu rosto
Sorridente
Me jogo nela
Me derreto com ela
Sonho a partir dela
Me fecho para ela.

Te reconheço
Distante de mim
Te vejo a caminho dela
Te deixo ir
Mudaste?

Caminhas lentamente
Roupas largas
Cabelos ao vento
Bela a luz que vem da lua
Minhas pernas querem te seguir

Mas não, tu já não és o que conheci
Fico onde estou.
Permaneço ali, naquele canto pouco notável.
Escrevendo os meus delírios
E retirando da loucura
A real certeza de ser humana.

Porto, 18 de julho de 2008

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Homenagem

À minha mãe: Neiza Teixeira

Ronda para adorar o que queimei

Há livros que lemos sentandos num banquinho
Diante de uma carteira escolar.
Há livros que lemos andando
(E é também por causa do formato);
Uns são para as florestas e outros, para outros campos,
Et nobuscum rusticantur, diz Cícero.
Alguns há que li na diligência;
Outros, deitado no fundo dos celeiros de feno.
Há os para fazer crer que temos uma alma;
Outros, para desesperá-la.
Há os em que se prova a existência de Deus;
Outros, em que não se consegue fazê-lo.
Há livros que não é possível admitir
Senão em bibliotecas particulares.
Há os que receberam elogios
De muitos críticos autorizados.

Alguns há em que só se trata de apicultura,
Que certas pessoas acham algo especializados;
Noutros fala-se tanto da natureza
Que não vale mais a pena passear, depois.

Outros há que os homens sensatos desprezam
Mas que excitam as criancinhas.

A alguns chamam ontologias
E neles incluíram tudo o que de melhor se disse a propósito de tudo.
Há os que desejariam fazer-nos amar a vida;
Outros depois dos quais o autor se suicidou.
Alguns semeiam o ódio
E colhem o que semearam.
Alguns, quando os lemos, parecem brilhar,
Carregados de êxtase, deliciosos de humildade.
Há os que amamos como irmãos
Mais puros e que viveram melhor dos que nós.
E os há impressos em caracteres extraordinários
E que não compreendemos, mesmo depois de tê-los estudado muito.

Alguns há que não valem um vintém furado,
Outros alcançaram preços consideráveis.
Alguns falam de reis e de rainhas
E outros de gente muito pobre.

Alguns há cujas palavras são mais suaves
Do que o ruído das folhas ao meio-dia.
Foi um livro que João comeu em Patmos
Como um rato; mas eu prefiro as framboesas.
Isso lhe encheu as entranhas de amargura
E ele teve depois muitas visões.


Não basta ler que as areias das praias são doces; quero que meus pés nus as sintam...É-me inútil todo conhecimento que uma sensação não precedeu.
Nunca vi nada docemente belo neste mundo sem desejar desde logo que toda a minha ternura o tocasse. Amorosa beleza da terra, maravilhosa é a inflorescência de tua superfície. Ó paisagem em que meu desejo se abismou! Região aberta por onde passeia a minha busca; aléia de papiros que se fecha sobre águas; caniços debruçados no rio; aberturas das clareiras; aparecimento da planície no vão das ramagens, da ilimitada promessa. Passeei nos corredores de rochas ou de plantas. Vi desenvolver-se a primavera.
VOLUBILIDADE DOS FENÔMENOS
Desde esse dia, cada instante da minha vida adquiriu para mim o sabor de novidade de um dom absolutamente inefável. Assim vivi numa quase perpétua estupefação apaixonada. Alcançava muito depressa a embriaguez e comprazia-me em andar numa espécie de aturdimento.
Por certo quis beijar tudo o que encontrei de riso nos lábios; quis beber o que encontrei de sangue nas faces, de lágrimas nos olhos; e morder a polpa de todos os frutos que dos galhos se inclinaram para mim. Em cada albergue uma fome me saudava; diante de cada fonte uma sede me esperava – uma sede particular diante de cada uma; - e almejara outras palavras para marcar meus outros desejos
de marcha, onde se abria uma estrada;
de repouso, onde me convidava a sombra;
de nado, à margem das águas profundas;
de amor ou de sono ao pé de cada leito.
Botei intrepidamente a mão em todas as coisas e acreditei ter direitos sobre cada objeto de meus desejos. (Demais, o que almejamos, (...), não é tanto a posse, é o amor.) Que toda coisa se irise diante de mim! Que toda beleza se revista e se matize de meu amor!

Livro: Os Frutos da Terra
Autor: André Gide.


Aos 25 anos de idade, senti a necessidade de reler o livro já citado. O quê significa, para mim, reler Os Frutos da terra?
Significa recordar, lembrar, resgatar, recolher ou colher parte de mim e parte da postura que resolvi assumi diante da vida e dos que se aproximam de mim. É certo que aos 13 anos de idade (Primeira vez que li este livro) não o compreendi na sua profundidade, mas lembro, que passava horas fechada no quarto lendo e transcrevendo os trechos que me arrepiavam. Sentia uma alegria muito forte sempre que eu me desligava de tudo e me entregava àquela leitura: Lia em voz baixa e em voz alta, era como se naquele momento eu brincasse e desafiasse as letras, o autor e trouxesse para o meu lado a dona dele. Aquele "ritual" tinha o poder de me devolver imagens que me eram tão comuns: Minha mãe entregue aos livros. Era maravilhoso ler e puxar pela memória - Recordar a infância e sentir as paisagens que André Gide transcrevia de forma brilhante e sedutora nas páginas amareladas do livro Os Frutos da Terra.

Olhava aqueles livros e me sentia chamada por eles e só eu posso saber as horas que eu dedicava a eles, limpava-os, organizava-os, ao mesmo tempo, que eu os descobria. Não poderia haver satisfação maior naquela fase da minha vida...
lembro que a primeira coisa que me chamou a atenção no livro foi a capa, ou melhor dizendo, a sua anti-capa, que era preenchida por flores vermelhas de talos verdes muito finos, neste momento não recordo o nome delas, mas tive a satisfação e a sorte de vê-las pessoalmente, e quando as vi, automaticamente, lembrei daquela anti-capa que já não existe. Foi numa “cidade” pequena da Itália, especificamente, em Parona, era primavera, passeava na companhia de um amigo e da sua cadela Chicca, ainda lembro aquela tarde, porque me deu a chance de ver, exatamente, a imagem que sempre admirei na minha adolescência e juventude, não compartilhei com ninguém aquela visão, afinal, era unicamente meu o prazer de fazer real Os Frutos da Terra.
Como inicialmente escrevi, releio este livro, mais madura e com o conhecimento mais alargado, começo por compreender muitos dos meus comportamentos e a ambicionar ainda mais o conhecimento do mundo.

Quem me dera se todos os jovens dedicassem alguns minutos à leitura, e se todos tivessem a chance de ter como espelho uma figura como a que tive! Eu tenho a certeza que eu não poderia ter me tornado outra pessoa senão essa que sou, desde de muito nova descobri o prazer da leitura e é como se cada vez mais eu precisasse disso para viver, é como sentir um sopro de vida, mas não é só ler, é interpretar e fazer da leitura e do conhecimento a sua arma ou escudo.

Ler siginifica crescimento, significa despertar, significa ser curioso, significa questionar, significa viajar e tocar em solos não seus, significa sonhar de olhos atentos e viver perigosamente, porque ler é permitir a invasão do outro no eu. Até que ponto permaneceremos os mesmos após esta invasão? Resposta absolutamente subjetiva e íntima do leitor.
Ler é ser, ou melhor, ser implica ler. Pena que falta muito para termos uma sociedade mais voltada para o sabor da leitura.
Continuo e continuarei lendo sempre Os Frutos da Terra, pois, como todos os que me conhecem muito bem, sabem que esteja eu onde estiver, ele estará sempre comigo. E hoje sei que foi com André Gide que aprendi a sair de casa num dia de sol sem destino – Não há coisa melhor do que caminhar longos minutos e chegar a beira de um rio ou a beira mar na companhia de um bom livro. Não faz muitos dias, caminhei muitos minutos absorvendo o sol e fui parar num daqueles bancos que preenchem a Ribeira do Porto e lá me entreguei à leitura desse livro e à observação incessante do curso do Rio Douro. Me senti totalmente escrava daquelas letras e daquela linda paisagem. Fui levada a colher ótimos frutos naquela tarde ensolarada, foi uma experiência que me fez sentir a leitura muito mais saborosa...

Os Frutos da Terra é um livro que revigora e que chama à superfície a sensibilidade humana e que nos faz ainda mais atentos para a vida.
Me resta justificar o porque deste trecho dedicado à minha mãe. Penso que não é difícil entender os motivos que me levaram a tal atitude. Ela era, até então, a única dona do livro, mas, a partir dos meus 13 anos de idade adotei o meu primeiro filho (Os Frtutos da Terra) e não tem mais como eu abandoná-lo ou esquecê-lo. Foi a mais brilhante descoberta que fiz quando sozinha pensava e sentia saudades da minha mãe...
Obrigada mammy pela aprendizagem mais rica e mais valiosa que tenho.
Ia esquecendo, mas foi também esse livro, que me fez escolher o caminho na filosofia, pois, se foi a filosofia que me retirou por alguns anos a presença da minha mãe, foi ela, também, o elo de ligação entre mim e a filósofa que mais admiro: Neiza Teixeira.
Porto, 11 de julho de 2008