Parte I
Por tantos lugares estiveste e por tantos lugares buscaste o que só agora encontraste.
Foram tantas as viagens, as caçadas e em muitas delas procuraste o teu próprio ser. E eu, no mais distante que pude estar, avistei o teu desespero no momento em que deixaste ela escapar, assim como que, um barco que parte em direção ao nada que é tudo, ela partiu, deixando nos teus olhos lágrimas de desespero e gestos de uma criança que roga pelos braços da mãe.
Naquele exato momento criei pernas e segui os teus rastros e ao aproximar-me do teu corpo senti que já estava morto.
E agora sou eu quem chora o choro dos desconsolados e sou eu quem sussurra pelos teus abraços jamais sentidos por mim...
Ela,
Sozinha na imensidão do mar deixa o vento tocar o seu rosto, a brisa apodera-se do seu corpo, enquanto que eu, em terra grito por tua alma.
Desespero, angústia e morte...
Tudo ao mesmo tempo apodera-se de mim da forma mais cruel e arrebatadora. Antes, não sendo capaz de descrever as circunstâncias malévolas e tristes, dizia que era feliz, pois podia mesmo de longe olhar para ti e constatar o brilho e o sorriso que vinham da tua face.
Mas hoje quando penso na morte chego a acreditar que ela é para ti a âncora, enquanto que para mim, ela é a anulação da vida que eu poderia viver.
Ao meu redor a multiplicidade subsiste e não se preocupa se eu parei naquele tempo em que te fechaste diante dela. Felizes seríamos, ou talvez não, se o Devir deixasse de ser Devir quando nós deixamos de querer acordar para um novo dia com o reflexo escaldante de um Dioniso.
Ao olhar para mim vejo marcas de um passado triste e vejo nos meus olhos os lamentos mundanos; enxergo em mim um vazio e quero além de tudo visto o retrato que um dia segui os teus passos sem medo, sem receio e sem esperanças. Segui simplesmente porque senti em mim que um dia acabarias sem ninguém que te pudesse fazer ressurgir.
Diante de tudo sou eu quem hoje fala, chora, sorri e vive por ti, simplesmente, porque a minha ânsia de vida se foi no momento em que o ar sentiu o teu último suspiro.
Não quero que tu morras em mim, não quero que o tempo te leve dos meus pensamentos, tampouco, quero a idéia de que tu já não pertences a isso a que chamamos Mundo.
O que fazer para te ter aqui?
As dúvidas me invadem e são elas que me trazem o sentimento de perda; é a partir delas que consigo perceber que possuo um ser calado, imóvel, frio, ou melhor, um ser que deixou de ser.
Eu sinto a saudade que consola, que te traz até mim e que não me maltrata...Sinto-a porque ela transcende toda a realidade; é a partir dela que me elevo para ti e é por isso que tu és a saudade que gosto de ter, e por mais que ela também seja a consciência da perda eu não deixo de acreditar que ela é a vivacidade da vida já anulada.
Fechada no mundo deixo cair lágrimas sobre a minha face já envelhecida e guardo ainda no peito uma vida que poderia ser vivida se tu estivesses aqui. Como seria boa a vida que eu planejei para mim e para ti!
Em desespero grito:
- Por quê chegaste tão cedo no fim?
- Por quê eu não mais jovem e sem forças devo aguardar a boa vontade da morte?
Me resta chorar e não mais cantar, me resta ainda esta sala vazia, as lembranças, as fotografias, a praia deserta e a areia que acolheu o teu corpo. Eu já não encanto o mundo com a minha música, as notas saem tristes e de tristeza estou coberta.
Por isso não mais canto, não mais toco, só o que quero é te sentir aqui.
Não esqueças que é em mim a tua morada...
Então pode chegar e por favor demora...
Parte II
A perda pode ser tida como a perda de si mesmo ou do outro, não interessa se é mais ou menos, o que importa é que em ambos os casos são perdas que machucam e que matam continuamente.
O caso de particularizar a perda só nos facilita a apreensão da mesma, por isso, escrever sobre ela não significa que conseguimos prendê-la em nós, pois, se assim fosse, ela já não seria perda.
Relatar os dias passados sem a presença do outro torna-se confuso porque tendemos a fundir aquilo que queremos com aquilo que já não se pode ter, e com isso, somos surpeendidos e principalmente iludidos pelo desejo íntrisico de poder diante daquilo que nos é desconhecido.
Como é notável, queremos sempre aquilo que nos escapa, por isso, que quando presenciei a tua morte quis de imediato poder diante de tudo o que me rodeava e gritei para o mundo a minha fragilidade. Em lágrimas e com o corpo trêmulo chamava por ti, e tu já distante, com os olhos fechados e o rosto molhado das tuas e das minhas lágrimas que se confundiam já não compreenderia o que é o choro, o amor e o mundo.
Ali tu deixaste a tua história, ali tu fechaste toda e qualquer possibilidade de futuro. A partir dali foste não sei para onde, foste não sei se sozinho, sei simplesmente, que aqui já não estas.
Danielle Soares
Iniciado em 30/03/03 - modificado e concluído em 18/12/04 - Coimbra
Espero que a leitura do mesmo não levante questões sobre quem é verdadeiramente a Dani..rsrs
Na verdade a minha primeira idéia foi a de um dia (quem sabe) poder escrever um livro de contos, mas hoje, um pouco mais madura, acabei abandonando tal idéia e resolvi retirar alguns trechos mais significativos para dividir com os que se permitem à leitura.
Não que este não venha fazer parte de alguns projetos que ambiciono no mundo da escrita, mas hoje, decidi mostrar um pouco do meu lado criador, que em muitos dos casos é, também, assustador.